Introdução
Na era das redes sociais e da estética cuidadosamente construída, moda e arquitetura têm se entrelaçado de maneiras cada vez mais provocativas. No universo da fotografia de moda urbana, esse encontro se manifesta com força quando o concreto bruto das cidades se transforma em pano de fundo para editoriais ousados e carregados de personalidade. É nesse ponto que a arquitetura brutalista entra em cena — com suas formas imponentes, superfícies cruas e um visual quase cinematográfico.
O brutalismo surgiu no pós-guerra como um movimento arquitetônico que privilegiava a funcionalidade e a honestidade dos materiais. Com estruturas de concreto aparente, linhas rígidas e um visual imponente, ele carrega uma estética que desafia convenções e se impõe visualmente. O que antes era visto como austero ou frio, hoje é redescoberto como uma linguagem visual poderosa — especialmente no mundo da moda.
Nos últimos anos, o brutalismo tem ganhado destaque na fotografia de moda urbana por seu contraste marcante: a rigidez da arquitetura amplifica a fluidez das roupas, a neutralidade dos tons ressalta cores e texturas, e o aspecto quase “pós-apocalíptico” de alguns cenários cria uma narrativa intensa e contemporânea. É uma estética que fala alto — e que ecoa a atitude rebelde, criativa e expressiva da moda de rua.
Concreto bruto, moda ousada. Esse é o diálogo visual que tem conquistado fotógrafos, estilistas e criadores de conteúdo ao redor do mundo — e que exploraremos a fundo ao longo deste artigo.
O que é a arquitetura brutalista?
A arquitetura brutalista surgiu no período pós-Segunda Guerra Mundial, em meio à necessidade urgente de reconstrução das cidades europeias. Com poucos recursos disponíveis e uma demanda crescente por moradias, escolas e edifícios públicos, os arquitetos buscaram soluções práticas, econômicas e rápidas de executar. O resultado foi um estilo arquitetônico marcado pela simplicidade estrutural, funcionalidade extrema e um uso expressivo do concreto — matéria-prima abundante e acessível naquele momento.
O termo “brutalismo” deriva da expressão francesa béton brut, que significa “concreto bruto”, um material que se tornou a principal assinatura visual desse estilo. A intenção era clara: nada de esconder estruturas ou revestir fachadas com ornamentos. O brutalismo celebrava a arquitetura em seu estado mais puro e honesto.
Visualmente, as construções brutalistas são reconhecidas por:
- Concreto aparente, geralmente com marcas das fôrmas de madeira ainda visíveis.
- Formas geométricas pesadas e angulares, com grandes volumes e linhas retas.
- Minimalismo funcional, onde a estética nasce da estrutura e da função, sem adornos desnecessários.
- Ambientes que muitas vezes parecem monolíticos ou escultóricos, evocando um certo ar de solidez e permanência.
Apesar de ter começado na Europa — com nomes como Le Corbusier e Alison & Peter Smithson — o brutalismo também encontrou terreno fértil no Brasil, especialmente entre as décadas de 1950 e 1970. Aqui, arquitetos como Lina Bo Bardi, Paulo Mendes da Rocha e Vilanova Artigas adaptaram o estilo às especificidades climáticas e sociais do país, dando origem a obras icônicas que misturam brutalismo com a inventividade brasileira.
Alguns exemplos notáveis de arquitetura brutalista incluem:
- Trellick Tower (Londres, Reino Unido) – um edifício residencial símbolo do brutalismo britânico.
- Barbican Centre (Londres) – complexo cultural e residencial com traços pesados e cenográficos.
- Edifício Copan (São Paulo, Brasil) – embora muitas vezes classificado como modernista, seu uso expressivo do concreto e a escala monumental o aproximam do brutalismo.
- SESC Pompeia (São Paulo, Brasil) – projeto de Lina Bo Bardi que transforma o concreto em poesia urbana.
Hoje, muitas dessas construções antes vistas como frias ou até mesmo feias são reinterpretadas como obras de arte arquitetônica. Elas oferecem uma estética singular — austera, crua, poderosa — que tem tudo a ver com o visual impactante procurado na fotografia de moda contemporânea.
Moda urbana: estética, rebeldia e expressão
A moda urbana — também conhecida como streetwear — nasceu das ruas antes de ocupar passarelas. Mais do que um estilo, ela é uma forma de expressão cultural e individual, que reflete as vivências, lutas e referências das pessoas que vivem e circulam nas grandes cidades. Suas raízes estão fincadas em movimentos de resistência, como o hip-hop, o skate, o grafite e outras manifestações que surgiram à margem dos padrões estabelecidos pela moda tradicional.
Essa estética carrega um espírito de rebeldia criativa, misturando peças utilitárias com referências nostálgicas, esportivas, tecnológicas e até políticas. É uma moda que fala de liberdade, de pertencimento, mas também de individualidade — um “uniforme” sem regras, onde cada combinação comunica algo único.
Com o passar dos anos, o que era antes considerado periférico ganhou força nas passarelas e nos editoriais de grandes marcas. O streetwear invadiu o mainstream, influenciando desde grifes de luxo até collabs entre estilistas e marcas esportivas. O resultado é uma fusão poderosa entre o universo urbano e o universo da alta moda — onde o tênis divide espaço com alfaiataria, e o moletom encontra o corte estruturado.
Nesse contexto, os cenários fotográficos passaram a ter papel fundamental na narrativa visual da moda urbana. Não basta apenas mostrar a roupa — é preciso reforçar a atitude por trás do look. E é aí que entra a busca por ambientes que tenham identidade, textura e força simbólica. Locais como escadarias de concreto, estacionamentos abandonados, viadutos e prédios brutalistas se tornaram os novos “estúdios” a céu aberto. Eles carregam camadas visuais e históricas que dialogam diretamente com a moda de rua.
Mais do que estética, a moda urbana é vivência traduzida em imagem. E quando essa imagem se apoia em cenários de concreto cru e arquitetura dura, o contraste gera impacto — e revela a potência da moda como linguagem visual da cidade.
Como o brutalismo virou cenário para a moda
Nos últimos anos, a arquitetura brutalista tem ganhado espaço não apenas nos olhares de arquitetos e urbanistas, mas também nas lentes dos fotógrafos de moda. Isso porque ela oferece um contraste visual poderoso: de um lado, a frieza do concreto bruto, com suas superfícies cinzentas e formas imponentes; do outro, a moda — vibrante, expressiva, cheia de atitude. Essa combinação gera imagens impactantes, onde o cenário não compete com o look, mas potencializa sua presença.
A geometria típica do brutalismo — ângulos fortes, volumes marcantes, simetria ou desníveis — funciona como um quadro tridimensional, moldando a composição da foto. Texturas ásperas, paredes marcadas pelo tempo e sombras projetadas pelas estruturas criam um pano de fundo dramático e autêntico. É como se o espaço contasse uma história paralela à da roupa — e essa tensão entre o bruto e o sensível dá uma nova camada de profundidade às imagens.
Um detalhe interessante é como o uso de cores neutras e cenários acinzentados — comuns no brutalismo — ajuda a direcionar toda a atenção para o que realmente importa: o look e o modelo. Cores vibrantes, tecidos fluidos ou até mesmo propostas monocromáticas se destacam com força contra o concreto frio. O cenário deixa de ser apenas coadjuvante e passa a funcionar como um elemento ativo de contraste e composição.
Diversos editoriais e campanhas já exploraram essa estética. Um exemplo marcante é a campanha da Balenciaga, conhecida por ambientar suas coleções em cenários urbanos duros e inóspitos — frequentemente com arquitetura brutalista como pano de fundo. Outro caso é o trabalho de fotógrafos contemporâneos como Jamie Hawkesworth e Willy Vanderperre, que utilizam locações urbanas com concreto exposto para intensificar o clima dramático de seus retratos.
No Brasil, editoriais produzidos em lugares como o SESC Pompeia ou o Conjunto Nacional mostram como o brutalismo nacional pode dialogar com a moda de forma única, conectando história, arte e estilo em uma mesma narrativa visual.
A escolha por esse tipo de cenário vai além da estética: é uma afirmação de identidade, de pertencimento urbano e de uma beleza que rompe padrões. A arquitetura, aqui, não serve apenas como moldura — ela conversa com a moda, desafia o olhar e transforma cada clique em um manifesto visual.
Referências visuais e influências culturais
O diálogo entre o brutalismo e a moda urbana não acontece por acaso — ele é construído a partir de uma série de influências visuais, estéticas e culturais que se entrelaçam. Vários fotógrafos, estilistas e marcas vêm explorando essa intersecção, criando obras que elevam o concreto bruto a um novo patamar de expressão artística.
Na fotografia, nomes como Willy Vanderperre, Craig McDean e Jamie Hawkesworth têm utilizado estruturas brutalistas para compor imagens que misturam melancolia, força e elegância. Seus trabalhos muitas vezes trazem modelos inseridos em cenários urbanos rígidos e minimalistas, onde a luz e a sombra realçam os traços da arquitetura — e, por consequência, as roupas.
Na moda, marcas como Balenciaga, Rick Owens, A-COLD-WALL* e Y-3 são referências quando o assunto é incorporar o brutalismo não apenas nos cenários, mas também no próprio design das peças. Linhas retas, volumes exagerados, tecidos estruturados e uma paleta de cores neutras fazem parte da estética dessas grifes, que muitas vezes ecoam o minimalismo arquitetônico em suas coleções.
Essa estética dialoga diretamente com movimentos culturais como:
- Minimalismo: tanto na moda quanto na arquitetura, a redução ao essencial cria um visual limpo, impactante e atemporal.
- Grunge: o uso de espaços urbanos decadentes, o clima cru e a rebeldia visual remetem à estética dos anos 90, onde o “feio” passou a ser reinterpretado como belo.
- Techwear: fortemente ligado à cidade e ao futuro, esse estilo abraça a funcionalidade com design afiado, muitas vezes utilizando materiais e formas que remetem à dureza do concreto e da arquitetura urbana.
O brutalismo também carrega uma dimensão política e simbólica. Por muito tempo, foi associado a construções públicas, universidades, habitações populares — ou seja, à tentativa de democratizar o acesso à cidade. Essa ligação com a resistência, a funcionalidade e o coletivo reflete-se na moda urbana atual, que muitas vezes questiona padrões, abraça a diversidade e valoriza o que vem “de baixo”.
Usar o brutalismo como referência não é só uma escolha estética — é também um ato de reivindicar espaço e de encontrar beleza onde antes só se via rigidez. É transformar concreto em manifesto visual. E é justamente nessa tensão entre a forma e a expressão que moda e arquitetura se encontram, criando algo novo, autêntico e profundamente urbano.
Dicas para fotógrafos e criadores
Explorar a arquitetura brutalista na fotografia de moda urbana é mais do que escolher um cenário — é construir uma narrativa visual que dialoga com força, textura e identidade. Para quem quer mergulhar nesse universo, alguns cuidados na hora da criação fazem toda a diferença.
1. Encontre o contraste certo
O brutalismo é marcado por formas rígidas e tons neutros. Aproveite isso para criar um contraste visual poderoso com roupas coloridas, texturas leves ou volumes orgânicos. Pense no concreto como uma moldura que valoriza a expressividade do look — quanto mais contraste, mais impacto.
2. Use a geometria a seu favor
As linhas e formas geométricas do brutalismo ajudam a compor imagens visualmente equilibradas. Busque enquadramentos que valorizem a simetria, ou brinque com ângulos e desníveis para criar tensão visual. Escadarias, pilares, vãos e fachadas planas funcionam como elementos de composição quase gráficos.
3. Observe a luz e as sombras
Por serem construções com volumes marcantes, os edifícios brutalistas criam sombras profundas e recortes de luz natural muito interessantes. Prefira horários de luz lateral (início da manhã ou fim da tarde) para ressaltar a textura do concreto e criar profundidade na cena. Luz dura pode funcionar bem aqui — o drama está a seu favor.
4. Escolha poses que dialoguem com o espaço
Com um fundo imponente e estático, vale apostar em poses que desafiem ou quebrem a rigidez do ambiente. Silhuetas fluidas, expressões intensas ou até mesmo movimentos performáticos criam um belo contraste com a solidez do cenário. Alternativamente, poses estáticas e minimalistas também podem reforçar o clima contemplativo da imagem.
5. Locais icônicos para fotografar
Se você está procurando onde aplicar essa estética, aqui vão algumas sugestões que combinam brutalismo e visual urbano:
No Brasil:
- SESC Pompeia (São Paulo – SP): projeto de Lina Bo Bardi com volumes monumentais e passarelas suspensas.
- Edifício Copan (São Paulo – SP): ícone modernista com traços brutalistas, assinado por Oscar Niemeyer.
- FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, São Paulo): linhas pesadas e brutalismo em estado puro.
- Teatro Oficina (São Paulo): mistura de brutalismo e intervenção artística.
- Conjunto Habitacional Pedregulho (Rio de Janeiro – RJ): curvas, concreto e visual impactante.
No mundo:
- Barbican Centre (Londres, Reino Unido): um dos maiores complexos brutalistas da Europa.
- Trellick Tower (Londres): símbolo da arquitetura social brutalista.
- Boston City Hall (EUA): volumetria extrema e ângulos dramáticos.
- Habitat 67 (Montreal, Canadá): estrutura modular brutalista com estética única.
- Buzludzha Monument (Bulgária): abandonado, mas altamente fotogênico.
Lembre-se: o brutalismo fala alto. Ao usar essa estética, cada clique se transforma em uma declaração — sobre espaço, corpo, moda e atitude. Aproveite o cenário como coautor da sua história visual.
Conclusão
A relação entre a arquitetura brutalista e a fotografia de moda urbana vai muito além de uma escolha estética momentânea. Trata-se de um diálogo visual que une dois mundos intensos, autênticos e cheios de personalidade. O concreto cru das construções e a ousadia criativa da moda urbana se encontram para formar imagens carregadas de força simbólica — um verdadeiro manifesto visual sobre estilo, identidade e pertencimento à cidade.
Mais do que uma tendência, essa fusão representa uma expressão artística contemporânea, onde o cenário é tão protagonista quanto o look. Ela mostra que a beleza pode (e deve) ser encontrada no inesperado, no que já foi considerado “frio” ou “feio”, e que a moda tem o poder de ressignificar espaços urbanos com atitude e originalidade.
Se você é fotógrafo, criador de conteúdo, estilista ou simplesmente alguém apaixonado por estética urbana, esse é um convite: explore o brutalismo com o seu olhar. Use seus ângulos, sua luz e sua narrativa para transformar concreto em poesia visual. Incorpore essa linguagem ao seu estilo pessoal, experimente contrastes, provoque sentidos.
A cidade é sua passarela. E o brutalismo, seu palco brutalmente belo.